“Coleciono parceiros na caminhada.
Inimigos não coleciono,
não me relaciono,
não me emociono.
Por eles não sinto nada.”
In: Pra Não Dizer Que Não Falei do Ódio – de Projota
Tenho pensado, já faz um bom tempo, nos motivos que levam muitos de nós a odiarem pessoas e, muitas vezes, grupos inteiros de ‘outros’. Como aprendemos isso?
Não tenho qualquer dúvida de que se trata de uma questão importante a considerar.
Quando eu era menina costumava ouvir alguns dos mais velhos encherem minha cabeça de histórias sobre pessoas que eu não conhecia, e que falavam de como os índios teriam sido indolentes enquanto os colonizadores eram desbravadores corajosos e justos com nossos povos primitivos.
Assim, ‘entendia’ que a terrível repartição da nossa parte no continente havia ocorrido de maneira justa e absolutamente honesta. Só bem mais tarde, quando resolvi fazer a faculdade de história, foi que compreendi o que foi o massacre de “nosso” povo por “aquele” povo.
Importante registrar que quem me contava aquelas histórias eram descendentes de colonizadores portugueses, alemães, espanhóis, etc. Uma parte da minha família e da minha origem. Mas eles definitivamente nunca haviam experimentado pessoalmente os eventos a que se referiam.
Eram geralmente pessoas amáveis e gentis em suas vidas comuns. Porém, desconfio que até hoje qualquer tipo de contraprova de suas convicções seja capaz de irritá-los.
De qualquer forma, esse foi um despertar. Depois disso, certifiquei-me de procurar amigos de todas as origens e religiões, e nunca mais confiei na palavra de outra pessoa que tentasse me dizer quem eu deveria amar ou odiar. E evito toda participação em instituições baseadas em exclusão ou dogmatismos.
Pense nisso. Você detesta um grupo de pessoas por conta de sua fé, posição política, tribo ou cor? De onde vem esse ódio? É por experiência pessoal? Estou disposta a apostar que, na maioria dos casos, não é. A maioria de nós é ensinada a odiar por pessoas que fingem equilíbrio e experiência, pelos pais ou parentes mais velhos; por professores e modelos de aparência; por propagandas e políticos. Por gente fraca e, muitas vezes, muito mal-intencionada.
Qual é a intenção da pessoa em lhe dizer isso? É uma preocupação genuína pelo seu bem-estar ou serve uma agenda pessoal, religiosa ou política? Você está sendo inscrito em um programa de ódio para atender às ambições de alguém? Você faz parte da lavagem cerebral financiada a fim de que poucos espertos possam desfrutar de riqueza e poder?
Qual é exatamente a história do ‘problema’? Você tentou descobrir as verdadeiras ocorrências? Você entendeu que sempre existem dois lados da história e que, muitas vezes, precisamos estudar mais sobre ela? Você já se perguntou como é ser um dos “outros”, vivendo sua história?
Se cada vez mais de nós pudéssemos permanecer calmos, reflexivos e abertos à uma conversa sincera, não estaríamos na situação atual: cercados por indivíduos divididos e cheios de ódio por pessoas comuns que se enfrentam – muitas vezes, sem entender o motivo.
Pergunte a si mesma/o: você está realmente convicta/o de sua determinação, ou é apenas mais um espírito fraco aberto à manipulação? Você assume consciente as falhas intelectuais do viés de confirmação (tendência em que, uma vez adotada uma crença, só buscar exemplos que a confirmem) e da generalização de um para muitos? Os que estão ao seu redor estão desesperados e furiosos procurando um propósito e um significado através da supressão/aniquilamento dos outros que não pensam igual?
Precisamos entender, antes de mais nada, que o amor e ódio são afetos humanos básicos e necessários e que pessoas que compartilham valores e interesses semelhantes têm mais probabilidade de experimentar um amor mais forte.
Por outro lado, porém, é necessário perceber que a desumanização é um processo, muitas vezes inconsciente, onde somos impelidos a enxergar outras pessoas como se fossem menos que humanas. Ao perceber que outra pessoa é “menor que”, retiramos dela as qualidades humanas que certamente possui. Esse processo pode levar a manifestações agressivas e degradantes.
E aqui reside todo o perigo.
A natureza do ódio pode ser entendida como a parte mais obscura e reprimida da psique humana que resiste às pressões internas – e sociais – que, quando externada, muitas vezes assume formas violentas de expressão.
Os grupos/coletivos naturalmente não têm ódio uns pelos outros. Certamente, a experiência pessoal de uma atrocidade pode causar trauma ao longo da vida. Mas, mesmo assim, temos que nos proteger contra os estereótipos. Devemos nos perguntar se aquilo foi realmente feito contra a gente por toda uma comunidade ou apenas por um indivíduo ruim ou mal orientado? Quando encontramos sociedades inteiras persistindo com o fanatismo, sempre existem pessoas tóxicas trabalhando, brincando com criaturas frágeis, submissas e manipuláveis e introduzindo veneno em discursos diários.
Tire as prevenções que encobrem cada agrupamento humano e você verá algo muito claramente. A maioria das vidas humanas é praticamente a mesma. Sofremos as mesmas lutas; encontramos alegria nas mesmas coisas; estamos preparados para responder demaneiras semelhantes. Há uma essência que nos une e iguala. Se preferimos focar na diferença, é apenas porque bebemos da toxidade de veneno.
É particularmente importante em tempos políticos abrasivos sustentar um debate respeitoso, principalmente em torno de nossas diferenças. O ódio desorganiza o pensamento e a ideologia agrava o problema.
Precisamos desafiar a nós mesmos, desaprender o que aprendemos, lutar contra a atração do ódio, especialmente agora, quando muitos de nós têm tanto medo de nossas identidades culturais profundamente abaladas e no mar.
Texto de Heloisa Lima.
Link original: https://psicologaheloisalima.com/2022/11/21/pra-nao-dizer-que-nao-falei-de-odio/#comment-417