O futebol desperta um patriotismo que nenhum problema social e econômico consegue

Bandeiras do Brasil espalhadas.

Ruas e casas tomadas pelas cores verde e amarelo.

Camisas da seleção, ou apenas similares, sendo postas para desfilar o patriotismo.

Acho curioso como o brasileiro, apesar de todos os problemas, torce pela seleção masculina de futebol. A copa do mundo, auge de um sentimentalismo que nenhum outro esporte proporciona, tornou-se motivo para estampar as cores da bandeira brasileira em tudo o que é lugar (ou pessoa), com os indivíduos bradando das mais diversas formas sua empolgação diante do momento.

O memorável 7X1 estará para sempre em nossas lembranças e nas lembranças do mundo inteiro – até porque nenhuma seleção sofreu tamanha derrota antes-, mas carregamos uma firme esperança de que neste ano (como em qualquer outro) vai ser diferente pelos mais diversos motivos: o técnico é competente… não dependemos mais de apenas um jogador… ou simplesmente coincidências numéricas que indicam a conquista do título este ano (mistério!). Desta forma, por mais que a lembrança de fracasso ainda ecoe em nossas mentes e corações, o entusiasmo se manifesta de tal forma que ansiamos pelo próximo jogo, imaginando vinganças ou acendendo velhas rivalidades.

Tabela da copa do mundo em mãos.

Cerveja gelada para acompanhar os jogos.

Propagandas televisivas ressaltando que somos a “pátria de chuteiras”.

Pátria de chuteiras? Isso mesmo. Esse ciclo chamado copa do mundo sempre traz a leviana mensagem de que somos a pátria de chuteiras, ou seja, nosso empenho, dedicação e patriotismo devem ser direcionados para 11 jogadores de futebol. É a velha, mas sempre viva, política do pão e circo. No entanto, o caso brasileiro é um pouquinho diferente. Temos o circo (claro!), formado pela a acentuada louvação da mídia aos jogadores, transformados em heróis da nação, e pela fervorosa devoção do povo a este momento e time; contudo, falta o pão – e tantas outras coisas como saúde de qualidade, estrutura rodoviária e aeroportuária, investimentos em energia sustentável, educação para crianças e jovens… e a lista não para.

Como a população de um país, necessitada de tantas coisas, muitas das quais são básicas, vale ressaltar, pode direcionar sua plena energia para contemplar em “regime de dedicação exclusiva” um time em busca de um título esportivo? Sinceramente não sei. Não estou negando meu lado torcedor, porque o tenho também, alimentando uma fagulha de esperança que a cada copa do mundo o Brasil possa ganhar (podem me chamar de sonhador)… mas estou, como marido, pai, e professor questionando onde se encontra tamanho fervor para reivindicar dos políticos o comprimento de suas promessas, por exemplo? Onde está este mesmo fervor para fazer o que é certo ao invés de buscar burlar o sistema sendo corrupto? Ou ainda, onde se encontra este mesmo fervor para fazer acontecer seu verdadeiro papel de cidadão… de brasileiro?

Preferência pelo jogo do que pelo emprego.

Serviços públicos com ponto facultativo.

Empresas privadas paralisadas em dias de jogos.

É alarmante como o país trava… paralisa assistindo aos jogos. Tenho uma prima que recentemente teve filho e precisou fazer exames de rotina na criança. Saiu em dia de jogo do Brasil na expectativa de fazer esses exames, já que seria difícil imaginar que serviços de saúde parassem por conta do jogo. Mas qual a surpresa? A conceituada rede médica não iria funcionar no espaço de tempo do jogo, que era das 9 horas até as 11 horas. Serviços de saúde paralisados por conta de um jogo de futebol? EU NÃO CONSIGO ACREDITAR!

Isso me traz um questionamento: o que é realmente prioridade para os brasileiros?! Não se trata de um exagero de interpretação do que foi narrado acima ou de ser uma pessoa focada somente nos problemas, mas da busca de um entendimento sobre o que importa para as pessoas atualmente. Acredito, que diante de tantas mazelas acontecendo dia a dia, o futebol proporciona uma fuga para aquilo que não temos no aspecto político (quase todos uma total vergonha), social (basta andar um pouco na rua) e econômico (para muita gente as coisas estão difíceis). Esta fuga é um alucinógeno para uma alegria breve, despertando um voraz patriotismo sem igual, mas que quando tudo acaba – seja com derrota ou vitória (de preferência)-, voltamos a guardar a camisa… a esconder as bandeirinhas… a pintar com cores neutras a calçada da rua.

É fácil expor um descontentamento com o Brasil e sugerir que vai para qualquer país europeu porque “aqui não tem mais futuro”… é fácil se embriagar momentaneamente com uma alegria que não vai ressignificar comportamentos e problemas… é fácil vestir as cores verde e amarela de quatro em quatro anos sem nenhum compromisso com a mudança. Difícil mesmo é, ao mesmo tempo em que se torce para aqueles jogadores (que independente do resultado estão com a vida ganha), tomarmos consciência da amplitude que pode alcançar nosso patriotismo para a nossa vida e para a vida das pessoas que amamos.

Patriotismo de copa de mundo é palco para futilidades e utopia,

Dono de uma momentânea alegria,

Que nos causa fuga e esquecimento,

Mas onde, de fato, podemos colocar o nosso sentimento?!

Pense bem!

Por Ricardo Verçoza – Professor, escritor e mestrando em Indústrias Criativas.

@CapitaoCoragem

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