Costumo brincar que, se houvesse um aplicativo de localização na história infantil de João e Maria, eles jamais se perderiam na floresta. Mas também nunca iriam nota-la. Na mitologia grega, a empreitada de Teseu no combate ao Minotauro só é bem-sucedida porque ele prestou atenção no labirinto, e não apenas no fio dado por Ariadne. Há uma descoberta naquele percurso intrincado. Ali Teseu cresceu e consolida sua imagem de homem destemido.
Olhar para dentro é importante, sempre. Convém, entretanto, retomar a ideia clássica do filósofo espanhol Ortega y Gasset (1883-1955): “eu sou eu e mais a minha circunstância”. Eu não sou apenas eu. Sou a soma de mim e o que está à minha volta. Uma visão, portanto, que se amplia para o exterior. E nós somos um ser para fora. Por isso, nós temos existência. Existir: “ser para fora”.
Estamos vivendo um momento de obscurecimento da paisagem. Retomando: durante muito tempo, olhar para fora, pela janela do carro, era decisivo nas viagens fazíamos. Fosse qual fosse. Num carro, trem.
A primeira vez que eu peguei o trem-bala de Tóquio a Kyoto, em 1984, eu vi o monte Fuji pela janela e, quando olhei de novo, ele não estava mais. Eu tive um flash do monte Fuji e não queria ter um momento tão fugaz diante daquela paisagem. Afinal, eu tinha certa familiaridade com aquele cenário. Eu já o tinha visto milhares de vezes, ainda que como imagem, porque Londrina teve um significativo fluxo de imigrantes japoneses. Quase toda casa de amigo tinha um retrato ou quadro do monte Fuji.
Quando eu bati o olho na lateral do trem, claro que eu me lembrei, mas não pude fruir a concretude daquele monumento da natureza. Não deu tempo. Mas, na volta, propositadamente, eu desci duas estações antes e peguei um carro para que pudesse apreciar aquela paisagem e aprender sobre o monte Fuji, que estava ali, de forma real, diante dos meus olhos.
Aquela cena do monte, imponente, ficou marcada de forma indelével na minha memória. Essa é outra mudança que a tecnologia trouxe. Hoje a tendência é que a memória fique na memória do celular. E, mesmo que haja o registro de muitas cenas importantes, na hora de vê-las, temos o olhar tão apressado quanto o percorrer do dedo.
Basicamente, as memórias foram ficando mais fluidas e, com isso, o aprendizado também. Quando se tem memórias de eventos importantes, elas fazem com que você tenha um tempo de maturação entre uma situação e outra. O aprendizado com a vida ficou mais difícil nos tempos atuais. Hoje as coisas se dão em sucessão tão veloz que eu tenho a informação, mas não necessariamente o aprendizado.
Mal eu começo a assimilar, a fruir, a digerir um tema, já aparece outro na sequência. A celeridade e a densidade de eventos quase não nos permitem tempo para observar o inédito, até porque tem muito inédito em sequência. Não dá mais para refletir muito tempo sobre uma primeira página de jornal. Ao entrar numa página da internet, logo se está em outra e se pula para outra e outra…
Eu considero que um dos fatores que estão revigorando o livro na plataforma papel não é uma onda saudosista, mas é algo de natureza similar ao que nos leva a fazer pizza em forno a lenha. É a possibilidade de dar elasticidade ao tempo, em vez de comprimi-lo.
Trecho do texto “O tempo passa; e nós?”, do livro “A sorte segue a coragem”. Autor: Mario Sergio Cortella.